Poucos sentimentos são tão fortes como o medo, ele nos paralisa, nos afasta, nos torna indiferentes a vida.
Quem pode com o medo?
Como vencer os medos? Sim, no plural, pois nunca temos um só.
Medo de falar em público, de nos expor, de mudar, de criar, de altura, de escuro, medo de ter medo.
Viver com medo de morrer.
Morrer de medo de morrer.
Morrer de medo de viver.
Assumir o medo? Só de pensar dá medo!
Este sentimento que nos assola todos os dias foi muito bem descrito por Carlos Drummond de Andrade no texto abaixo:
O medo
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas
do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.
Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.
Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.
Carlos Drummond de Andrade
Como gosto de Drummond..penso que poucos conseguiram traduzir a alma humana; seus anseios, conquistas, amores, desamores.
ResponderExcluirAinda assim, escolhi um trecho escrito por Mário Quintana sobre o medo, veja: “Um dia...pronto!...me acabo./ Pois seja o que tem de ser./ Morrer: que me importa? O diabo é deixar de viver!“
Isso mesmo. O terrível não é morrer; é deixar de viver.
bjs